Grupos culturalmente diferenciados

Os povos e comunidades tradicionais são definidos no Decreto 6.040/2007 como grupos culturalmente diferenciados que têm suas próprias formas de organização social. Os territórios e recursos naturais pertencentes a esses povos são necessários “para sua reprodução cultural, social, religiosa, ancestral e econômica, utilizando conhecimentos, inovação e práticas gerados e transmitidos pela tradição”.

Dentre esses povos etnicamente diferenciados estão os indígenas e os quilombolas, cujos dados serão levantados pelo Censo 2022. É apenas por meio desse estudo, que faz uma varredura completa do território nacional, que é possível ter uma captura mais completa e detalhada desses grupos.

Para o IBGE, que segue normativas nacionais e internacionais, quilombola ou indígena é a pessoa que assim se identifica. A pergunta de identidade étnica para indígenas apareceu pela primeira vez no Censo de 1991 e manteve-se nos Censos seguintes (2000 e 2010).

No Censo realizado em 2010, houve um aprimoramento da pesquisa em relação a essa população, com a inclusão de perguntas sobre pertencimento étnico, línguas indígenas faladas e se falava português.

O quesito cor ou raça foi transferido do questionário da amostra (parte dos domicílios) para o do universo (total dos domicílios), o que melhora a captação dessa característica. Foi a primeira vez que esses temas foram levantados pela pesquisa. Essa inclusão representou uma evolução na caracterização demográfica, étnica e linguística da população indígena e gerou demandas por informações mais detalhadas referentes tanto aos indígenas quanto aos quilombolas.

Outro avanço foi a comparação da população nas terras indígenas oficialmente delimitadas com a que reside fora delas, por meio da compatibilização das malhas censitárias com os limites dessas localidades. Isso também permitiu, por exemplo, a divulgação de dados relativos a esses povos com recortes para grandes regiões, unidades da federação e municípios.

O Censo 2010 também foi o primeiro com questionário georreferenciado nas áreas rurais, o que possibilitou a aplicação de uma pergunta sempre que o recenseador estivesse trabalhando dentro de uma terra indígena oficialmente delimitadas e que houvesse sido declarado como tendo uma cor ou raça diferente de indígena. Ao informante era questionado: você se considera indígena?

Consulta prévia

Para a preparação do projeto técnico de povos e comunidades tradicionais, foram realizadas consultas públicas com as organizações indígenas e quilombolas, em quatro etapas presenciais e, durante a pandemia, os encontros passaram a ser virtuais. Já com os representantes dos povos indígenas, foram duas etapas entre 2018 e 2019, além da participação em audiências públicas em sete localidades do país.

Para que a dimensão informativa da consulta pública seja ainda mais abrangente, em todas as localidades indígenas quilombolas do país, os recenseadores realizarão uma reunião de abordagem com a liderança comunitária antes de iniciar a coleta. Nesse momento o Censo será apresentado para todas as lideranças, que poderão tirar dúvidas sobre a pesquisa.

O projeto técnico de povos e comunidades tradicionais, que tem como base seis pilares (questionários, base territorial, treinamento, sensibilização, coleta e garantia de cobertura e divulgação dos resultados), além de ter a participação de representantes desses grupos étnicos, contou com cooperações interinstitucionais, a exemplo da Fundação Nacional do Índio (FUNAI), da Secretaria Especial de Saúde Indígena (Sesai), da Fundação Cultural Palmares, da Secretaria Especial de Políticas de Promoção de Igualdade Racial e do Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária (Incra).

Pela primeira vez, o Censo retratará a população quilombola

Definidas pelo Decreto 4.887/2003 como “grupos étnicos, segundo critérios de auto-atribuição com trajetória histórica própria, dotados de relações territoriais específicas com presunção de ancestralidade negra relacionada com a resistência à opressão historicamente sofrida”, as comunidades quilombolas serão retratadas pela primeira vez no Censo 2022.

Para as comunidades quilombolas, foram considerados os territórios quilombolas delimitados pelo INCRA e pelos institutos estaduais de terra. Também foram mapeados os agrupamentos quilombolas identificados pelo IBGE e outras localidades não definidas em setores censitários, que vieram a constituir Áreas de Interesse Operacional (AIOs) quilombolas. Somadas as fontes, o Instituto chegou a 5.972 localidades quilombolas no país.

Assim como no questionário destinado aos povos indígenas, na abordagem aos quilombolas haverá abertura restrita de quesitos quando o recenseador se encontrar em uma área quilombola pré-mapeada pelo IBGE.

A pergunta que surgirá no DMC será: “Você se considera quilombola?” Se a resposta for positiva, o informante deverá responder ainda o nome de sua comunidade. Com essas respostas, será conhecido o número de quilombolas existentes no país e a que comunidades pertencem. E será possível desagregar os resultados do Censo referentes aos quilombolas, o que permitirá estabelecer comparações com o restante da população.

Questionário de Abordagem Indígena

Outra novidade trazida pelo Censo 2022 é o questionário de abordagem em agrupamento indígena. Ele deve ser aplicado na reunião de abordagem com as lideranças comunitárias e de preferência antes do início da coleta domiciliar. O informante é a liderança política do agrupamento indígena e, no caso de ausência dela, o recenseador deve avaliar a indicação de uma vice-liderança ou de outras pessoas que possam responder, dando a preferência a professores e agentes indígenas de saúde ou saneamento pertencentes à comunidade e indicados por ela.

Nesse questionário, haverá a identificação de dados de infraestrutura, recursos naturais, educação, saúde e hábitos relativos àquela aldeia ou comunidade. O objetivo é auxiliar a coleta no agrupamento, trazendo ao recenseador características que devem ser consideradas nas adaptações metodológicas do questionário domiciliar. A aplicação também ajuda a levantar informações importantes sobre a realidade socioterritorial da comunidade.

Base territorial específica para povos e comunidades tradicionais

Para o Censo 2022, a base territorial dos povos e comunidades tradicionais teve de ser adequada. As mudanças incluem a possibilidade de identificação dos povos indígenas fora dos territórios delimitados oficialmente e a inserção das comunidades e dos territórios quilombolas.

Um desafio foi o mapeamento dos agrupamentos, uma vez que as informações cartográficas de referência são escassas e grande parte das localidades está localizada em áreas remotas. Para isso, a metodologia de mapeamento dessas áreas, que foi utilizada no Censo 2010, foi aperfeiçoada.

No caso dos povos indígenas, foram definidos como setores censitários as terras oficialmente delimitadas pela Funai e os agrupamentos domiciliares, que são áreas contíguas com concentração de domicílios, mapeados pelo IBGE.

Outras localidades que não eram definidas em setores censitários foram chamadas de Áreas de Interesse Operacional (AIOs) e incluem as caracterizadas pela dispersão dos domicílios ocupados ou onde não foi possível confirmar a presença de população indígena. As AIOs definirão o funcionamento da pergunta de cobertura “Se considera indígena?” para os moradores que, nestas áreas, não se declararem indígenas no quesito de cor/raça. Essa definição ocorre mediante verificação geoespacial in loco via GPS no momento da entrevista.

Para que fosse possível construir uma sólida e confiável Base Territorial para o recenseamento, foi necessário contar com a colaboração das organizações indígenas e quilombolas, que repassaram ao IBGE, por meio de suas lideranças, nos anos anteriores ao Censo, muitas informações referentes à localização de suas comunidades. Foram também utilizados registros administrativos provenientes de outros órgãos públicos e organizações da sociedade civil, que apoiaram diretamente o mapeamento.

Todas essas informações foram analisadas e consolidadas através de imagens de satélite de alta resolução, que auxiliaram no refinamento das informações. Esse recurso foi fundamental para a construção da base territorial, especialmente nas áreas em que os povos têm alta mobilidade, ou seja, mudam de localização com o passar do tempo.

Guias e intérpretes

Os guias comunitários são aqueles que conduzirão o recenseador por todos os domicílios a serem visitados nas áreas indígenas e quilombolas quando necessário. Eles indicarão as melhores rotas de percurso, os horários ideais para visita e os códigos de conduta que devem ser adotados.

Os guias podem sertambém servidores de órgãos parceiros do IBGE na realização do Censo, principalmente da FUNAI e da SESAI.

Já os intérpretes em áreas indígenas devem atuar como mediadores da comunicação entre recenseador e informante e, assim, facilitar a comunicação e a interpretação do questionário. A presença deles também é necessária na reunião de abordagem.

Protocolo de saúde específico

Os recenseadores que vão atuar em Terras Indígenas seguirão um protocolo definido em conjunto pela FUNAI, SESAI e IBGE, tendo sido observadas todas as medidas definidas pelo Supremo Tribunal Federal, que inclui a vacinação completa para COVID-19, testagem e em algumas situações específicas quarentena.

Treinamento diferenciado

Antes da coleta, os profissionais que vão trabalhar nas áreas de povos e comunidades tradicionais receberão um dia a mais de treinamento para realizar as práticas de abordagem e aprenderem mais sobre as normas de conduta adequadas àquele território.

O treinamento das equipes de coleta para atuação em áreas de Povos e Comunidades Tradicionais envolve os conceitos relacionados à metodologia do Censo junto a indígenas e quilombolas, o uso de mapas específicos para essas áreas, as orientações de conduta nos territórios tradicionais e as orientações para aplicação do Questionário de Abordagem Indígena e para aplicar as adaptações metodológicas previstas para os questionários domiciliares.

As equipes de coleta contarão ainda com um Manual do Recenseador – Povos e Comunidades Tradicionais e com um Guia de Abordagem às Lideranças Indígenas e Quilombolas.