“Diziam que aqui não tinha índio”: Crescimento de 551% na população indígena de Caucaia-CE é recebido com grande expectativa pelo Povo Tapeba
10/01/2024 11h35 | Atualizado em 11/01/2024 10h48
Com a passagem de 2.706 indígenas em 2010 para 17.628 em 2022, Caucaia-CE figura como 2º município do Nordeste e 6º do Brasil em termos de crescimento da população indígena entre os dois Censos Demográficos. A própria população indígena cearense praticamente triplicou no mesmo período: passou de 20.697 para 56.353 pessoas
Os motivos para o significativo crescimento, tanto local como nacionalmente, não são de ordem apenas demográfica, mas, sobretudo, ocasionadas por uma mudança na metodologia do recenseamento. A colaboração mais estreita com lideranças indígenas e instituições que trabalham junto a esses povos permitiu que o Censo 2022 captasse um retrato bem mais fiel dessa parcela da população brasileira.
Por ocasião da apresentação desses primeiros resultados do Censo Indígena, a Superintendência Estadual do IBGE no Ceará (SES/CE) promoveu, no dia 4 de agosto, uma visita a uma dessas localidadesdo município de Caucaia: o Terreiro Sagrado do Pau Branco, na Terra Indígena Tapeba.O momento, realizado em acordo com o Povo Tapeba, foi direcionado à imprensa cearense, e teve por propósito permitir a captação de imagens e entrevistas que contribuíssem para a divulgação dos dados.
Reuniram-se no local dezenas de crianças, adultos e idosos Tapeba, na expectativa de saberem os primeiros resultados sobre sua população. Os dados foram recebidos com música, dança e preces, além de manifestações das lideranças sobre o que estes números representam para a comunidade. De acordo com o Censo 2022, a Terra Indígena Tapeba, que tem o status de Declarada junto à Fundação Nacional dos Povos Indígenas (Funai), registrou 10.081 residentes, dos quais 5.326 são indígenas. Mas, como as próximas etapas da divulgação irão revelar, os Tapeba são bem mais numerosos, e não se concentram apenas dentro desta terra oficialmente delimitada.
Números que representam pessoas
“É uma coisa muito importante, poder abrir a boca e dizer que na Caucaia existem 17 mil índios. Eu achei bom, porque, no passado, diziam que aqui não tinha índio”, comemora Cacique Alberto, liderança do Povo Tapeba, ao saber os números do seu município. Entre os Censos 2010 e 2022, Caucaia apresentou crescimento de 551% no número de indígenas, um resultado que já era esperado por esta população.
“A gente sabe o quanto a nossa comunidade cresceu”, confirma Kilvia Tapeba, que é presidente da Associação de Mulheres Indígenas Tapeba (AMITA) e ex-integrante do Conselho Estadual de Saúde do Ceará. Há anos ela vinha observando, através da base de dados do Sistema de Informação da Atenção à Saúde Indígena (SIASI), uma tendência de aumentodos indígenas em Caucaia, não só Tapeba, mas também de outras etnias.
Kilvia recorda que, de início, esse crescimento foi alvo de questionamentos, mas agora, com os resultados divulgados pelo IBGE, veio a confirmação. Ela explica o que há por trás dos números: “Antigamente, a gente não podia nem dizer que era indígena, por conta da perseguição e da discriminação. Hoje a gente faz esse trabalho de sensibilização, explicando às pessoas que elas podem se autoidentificar, independente de qualquer coisa ou de para quem seja.”
“Precisamos que os índios sejam bem aproveitados, que sejam tratados bem, como seres humanos”, reivindica Cacique Alberto, que enxerga nos dados do IBGE uma oportunidade para que desafios sejam superados e mais políticas públicas cheguem ao Povo Tapeba. “A gente mostra, mais do que nunca, que o Brasil é indígena e que essa população ainda está em estado de vulnerabilidade”, ressalta também Kilvia. “Para todo mundo, o que importa são números e não necessariamente as pessoas. Então a gente tem esse dado como aliado, a nosso favor”, completa.
A presença indígena no Ceará de acordo com os Censos Demográficos
Há 160 anos, em 1863, cerca de uma década antes de ser realizado o primeiro Censo Demográfico do Brasil, o então governo do Ceará decretou a “extinção” dos povos indígenas no Estado. “Já não existem aqui índios aldeados ou bravios. Das antigas tribus de tabajaras, cariris e potiguaris, que habitavam a província, uma parte foi destruída, outra emigrou [...] [o resto] dos descendentes das antigas raças andam-se hoje misturados na massa geral da população”, declarou o presidente da Província do Ceará, José Bento da Cunha Figueiredo.
Ao longo dos mais de cem anos subsequentes, não foi possível mensurar adequadamente a presença indígena no Brasil, seja porque em alguns recenseamentos a 'Cor ou raça' dos brasileiros sequer foi investigada (Censos 1900, 1920 e 1970), ou então porque os indígenas foram contabilizados em categorias como 'caboclo' (Censos 1872 e 1890), 'pardo' (Censos 1950, 1960 e 1980) ou 'índio' (Censo 1960, porém aplicada apenas para indígenas residentes em reservas).
Somente há 32 anos, no Censo 1991, o décimo do país, realizado após a redemocratização e a promulgação de uma nova Constituição na qual os povos originários foram finalmente reconhecidos, a categoria 'indígena' passou a fazer parte definitivamente do questionário censitário. A questão de 'Cor ou raça', na ocasião, era aplicada a uma amostra representativa da população. O Ceará contou então 19.336 indígenas.
Há 13 anos, já no Censo 2010, quando a pergunta sobre 'Cor ou raça' passou a ser aplicada em todos os domicílios, o Ceará contou 20.697 indígenas.
E agora, no Censo 2022, com uma metodologia bem mais precisa, porque implementada e desenvolvida sob reivindicação e com a cooperação dos próprios movimentos indígenas e de instituições que trabalham junto a essas populações, o Ceará passou a contar 56.353 pessoas indígenas, praticamente o triplo do Censo anterior. Por outro lado, este mesmo Censo de 2022 também apontou que mais de 81% destes indígenas cearenses (45.829 pessoas) ainda não têm garantido seu direito constitucional à terra oficialmente delimitada.