Censo 2022 em Provetá: o trabalho na baía de Ilha Grande

Editoria: Censo 2022 | Da Redação

31/01/2023 15h38 | Atualizado em 01/02/2023 13h26


A agente censitária Caroline Paixão faz a supervisão das entrevistas do Censo realizadas em Ilha Grande. Fotos:Daniele Souza/Acervo IBGE

O ponto não é o “cais turístico” de Santa Luzia. Perto do estacionamento, bem próximo, existe o “cais dos moradores”, onde ficam vários barcos pequenos enfileirados. Esta foi a indicação para o embarque da equipe do IBGE que foi acompanhar a coleta do Censo 2022 em uma ilha em Angra do Reis, no litoral sul fluminense.

Ao caminhar pela tal rua de acesso, carros, motos e pedestres passavam de um lado a outro, sob chuva fina, de um céu bem cinzento. Na frente de um dos barcos, pessoas se amontoavam. A maioria, moradores da Ilha Grande, indo em barco particular, que faria o trajeto do cais de Angra dos Reis até Provetá. Não havia vento, então os tripulantes do barco organizavam o embarque dos 50 passageiros, com muitas sacolas de compras.

"É por conta do Natal e das festas de final de ano", explicou a Agente Censitária Supervisora (ACS) Caroline Paixão, que atravessou o mar aberto rumo à Vila de Provetá, com a equipe, para acompanhar e supervisionar o trabalho das três recenseadoras locais.

Na viagem de uma hora, Caroline foi contando outras curiosidades do local. “Antes de ser um famoso destino turístico do Rio, Ilha Grande foi povoada por aldeias indígenas. A ilha já foi rota de navios negreiros e possui histórias de grandes naufrágios em sua baía”.

Provetá: quatro setores de uma ilha

De acordo com os moradores, em dias de sol, é possível ver cardumes inteiros e as “famosas tartarugas” de Ilha Grande, já na chegada de barco. No entanto, em dias de muita chuva, a ponte fica submersa. E, se a tormenta for muito grande, não é possível sequer chegar a Provetá, por ser mar aberto.

A segunda maior comunidade de Ilha Grande é habitada, majoritariamente, por pescadores e rebocadores: “Em Provetá, existem quatro setores gigantes, mas muitas áreas são de mata, sem ninguém morar ou de acesso muito difícil”, indicou Caroline.

Provetá está inserida na área censitária de Angra do Reis. Uma equipe de quase 200 pessoas, entre agentes censitários e recenseadores, para 544 setores censitários. Destes, somente a Ilha Grande possui 35 setores censitários, já trabalhados até aquele dia por 10 recenseadores. “Outra característica insular é a pouca quantidade de recusas e ausentes”, destacou.

Ao longo da ilha, há moradores que vivem em áreas totalmente isoladas e uma população “flutuante”, que vai e vem do continente; ou que a visita de vez em quando, porque a família mantém casa na ilha.

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Eduarda Pereira é uma das três recenseadoras que atuam em Provetá - Foto: Daniele Souza/Acervo IBGE
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Desembarque de passageiros e compras no cais de Provetá - Foto: Daniele Souza/Acervo IBGE
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Ponte que facilita o acesso às ruas de Provetá, principalmente quando a maré está alta - Foto: Daniele Souza/Acervo IBGE
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Perto do cais Santa Luzia, os barcos particulares que os moradores usam para chegar à ilha - Foto: Daniele Souza/Acervo IBGE
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Belezas intocadas na ilha de Gipoia - Foto: Nicolle Calhau/Acervo IBGE

A ilha possui também muitos moradores que nasceram e foram criados no local. No trajeto por Provetá, as pessoas se conhecem pelo apelido. No trabalho de recenseamento, é comum as três recenseadoras locais serem perguntadas sobre a própria família: "Ah, já sei quem é o seu pai".

Passando pela equipe uniformizada do IBGE, sem se identificar, um morador saudou a recenseadora e comentou: “Tem gente que não quer responder porque não quer dizer que é casado, ou o quanto ganha. Eu sempre insisto que o IBGE apenas quer saber a ‘verdade’ sobre a população brasileira”.

Eduarda Pereira foi uma das recenseadoras nascidas na ilha que trabalhou na coleta do Censo 2022 em Provetá: “Como a pesca estava parada e meu marido é pescador, era uma oportunidade de trabalho. E como eu sou daqui, já conhecia as pessoas”.

Para Eduarda, foi uma surpresa descobrir tantas casas vazias, já na lista prévia do Dispositivo Móvel de Coleta: “Muitos levam os filhos para Angra, para trabalhar ou estudar”. Existem também muitos casos de falecimento ou de pessoas que deixam a ilha por problemas de saúde: “Muitas vezes, os filhos simplesmente vendem a casa”.

Outra recenseadora que mora na ilha, Kitia Raimundo disse que o “cafezinho” é normal: “Quando nos recebem, oferecem almoço, café. Teve uma moradora que foi me levar até a residência, para mostrar qual era o caminho”.

“O maior 'choque' das recenseadoras é quando passam a saber o nome verdadeiro das pessoas”, brincou a ACS Caroline Paixão, sobre o fato de as recenseadoras estarem acostumadas a conhecer somente o apelido dos moradores da praia.

Geninho foi um dos moradores que as recenseadoras descobriram o nome. Genesis Ferreira também recebeu a equipe do IBGE: “Foi rápido. Achei legal, porque nunca tinha respondido ao Censo. E os dados podem contribuir para o turismo”.

Nascido e criado na praia de Provetá, como é bem comum na região, Geninho ganha a vida com seu barco, na pesca de carapaus, xereletes, sardinhas, cavalas. Seu pai, o aposentado Raimundo Ferreira, também respondeu à recenseadora Eduarda, sobre o Censo. Para ele, faz falta uma Associação de Moradores local: “Aqui temos famílias inteiras de pescadores, porque tudo é pesca, seria bom”.

Décadas de mudanças: o que o Censo vai descobrir?

De acordo com os moradores de Provetá, muita coisa mudou ao longo das últimas décadas, inclusive com a chegada dos novos moradores. “Antes não tinha energia, não tinha calçamento, não tinha nem ponte na chegada. E existem mais jovens indo estudar em Angra”, contou a moradora Selma Araújo.

A ACS Caroline Paixão faz parte da nova leva de moradores de Ilha Grande. Soteropolitana, mora em Abraão desde 2000 e foi a responsável pela divulgação do trabalho censitário na ilha, em um formulário digital, para encontrar trabalhadores locais: “Nem sempre os recenseadores de fora da ilha conhecem, ou conseguem chegar facilmente às praias”, explicou.

A ACS sabe da demanda por informações atualizadas e específicas sobre a ilha: “Curso políticas públicas e já trabalhei na área, então eu sei da importância do Censo para gestão pública. Para mim, é a maior ferramenta demográfica”.

Entre as parcerias do IBGE, estão os funcionários dos postos de saúde de Ilha Grande, que ajudaram a encontrar os moradores, inclusive aqueles em locais distantes. Raika Monção, enfermeira nas praias de Aventureiro e Provetá, resolveu auxiliar a equipe do Censo, exatamente pelo interesse em saber mais sobre a situação real da comunidade.

Trabalhando há quase 20 anos no local, Raika casou com um pescador e se mudou para Jacuecanga, em Angra: “Antes, eu tinha que dormir lá em Provetá, por falta de condução. Tem dois anos que colocaram lancha para levar e trazer os profissionais de saúde de volta até Angra”.

Atualmente, há duas escolas de Ensino Médio na ilha, em Provetá e Abraão, com três barcos que também levam as crianças para as escolas dessas praias. São os barcos escolares e da saúde que, volta e meia, ajudam os ibgeanos a chegar à ilha, quando não há transporte.

A lembrança escolar também é diferente para o morador João Alberto de Castro: “Antes, só tinha ensino básico aqui. Tem bastante gente nova, aumentou muito a população. Era tudo mato e agora só tem casa”. Aposentado, Castro voltou à ilha há alguns anos, com a esposa, Ildeniza de Castro, e os filhos gêmeos.

Segundo Ildeniza, um dos grandes problemas é o mar aberto, ainda “caminho” para os navios: “Quando voltei a morar em Provetá, tive que jogar um dos meninos para o pescador carregar, porque o mar estava cobrindo a ponte”. As fortes chuvas aumentaram os problemas: “Ano passado, caiu barreira. Ficamos três dias sem luz, sem internet e com água barrenta”, reclamou.

A expectativa do casal é que o Censo possa indiretamente trazer melhorias aos serviços, como transporte e saúde: “É um lugar tranquilo, sem muito recurso. Precisa de transporte marítimo à disposição para os casos de emergências. Aliás, agora, as grávidas têm que ir para Angra um mês antes do parto, para evitar problemas”, explicou Ildeniza.

Embora o posto tenha profissionais de saúde diferentes, Raika concorda que, em casos de grandes emergências, seria bom ter um transporte melhor: “Uma lancha que consiga se movimentar mais rápido e fazer o trajeto de ir e voltar em 20 minutos, se possível”.

Para a recenseadora Eduarda Pereira, por meio da pesquisa, será possível descobrir onde há carência de serviços, como saneamento, para suprir as necessidades locais.

“Provetá não tem muito restaurante, pousada. Não tem farmácia, só o posto de saúde. Com o Censo, é possível inclusive saber as demandas, o que pode até melhorar o comércio”, corroborou Caroline.

Cenário de livros e fugas espetaculares

O que Escadinha, Orígenes Lessa, Madame Satã e Graciliano Ramos têm em comum? Pois outra curiosidade da Ilha é que ela abrigou todos estes nomes conhecidos em sua prisão.

Como em outros países, o Brasil também teve complexos penitenciários em locais de difícil acesso. Fernando de Noronha e Ilha grande são exemplos de locais que abrigaram detenções isoladas pelo mar e pela natureza. Em Ilha Grande, houve dois presídios de presos comuns e políticos: a Colônia Correcional de Dois Rios e o Instituto Penal Cândido Mendes.

“Nas escarpas da ilha Grande, a esfalfar-me, a aproximar-me vagaroso da Colônia Correcional, papagueava com um matuto fardado sobre gente do interior, meio esquecida”. É um trecho do livro 'Memórias do Cárcere', em que o escritor Graciliano Ramos traz um testemunho sobre os meses em diferentes prisões.

Considerado um complexo penitenciário de segurança máxima, o presídio Cândido Mendes foi o cenário da fuga “cinematográfica” do preso Escadinha por helicóptero, em 1985, antes da extinção do presídio. O presídio ficava na praia de Dois Rios, onde atualmente existe o Museu do Cárcere, com a história dos detentos notórios do local, inclusive presos políticos.

No passado, o isolamento natural e o tamanho da ilha já tinham sido considerados favoráveis para instalação de um lazareto de quarentena, ou seja, um estabelecimento de controle sanitário. Antes da construção do presídio Cândido Mendes, o local abrigou doentes que chegavam ao Brasil, para evitar a propagação de doenças como cólera. E as ruínas do Lazareto de Ilha Grande estão até hoje disponíveis para visitação em Abraão, uma das praias mais frequentadas por turistas na ilha, com a facilidade de acesso por barcas oficiais, via Angra dos Reis e Mangaratiba.

Desafios insulares

“Angra sempre foi conhecida como a cidade das 365 ilhas, é o marketing da cidade”, citou a Coordenadora Censitária de Subárea (CCS) de Angra, Luana Ventura. Ilha Grande fica no litoral Sul do Rio de Janeiro e é uma das ilhas ao redor do município de Angra dos Reis. Para chegar ao local, a uns 150 km da capital, o trajeto inclui uma viagem de mais de duas horas de carro até Angra e, depois, no mínimo, uma hora de barco. Isso com o tempo bom.

Não por acaso, a CCS Luana Ventura categorizou a mobilidade como o maior desafio: “Pouquíssimas ilhas possuem itinerários fixos; com isso, às vezes, é necessário alugar embarcações, com preços extremamente elevados”. O preço do combustível, a limitação de horários e empresas que façam o transporte também são empecilhos de acesso. “Às vezes, em alguns locais, os recenseadores pegam carona com as equipes de saúde, ou o barco escolar, mas não é certo e depende do número de pessoas no barco”, complementou Caroline.

Outra questão é o clima: tanto os censitários quanto os próprios moradores dependem do bom tempo para a travessia de barco: “Já aconteceu de sairmos do continente com um tempo ótimo, mas não conseguirmos sair da ilha, porque o tempo mudou. Então, precisamos pernoitar no local”, explicou Luana.

“Tivemos alguns dias perdidos por conta de chuva, ou vento, que impossibilitaram o acesso a praias, como Aventureiro ou Parnaioca, por exemplo”. Às vezes, as dificuldades continuam em terra. “E existem casos de a chuva encharcar o solo, tornando perigoso o acesso a casas, via trilha, por conta do barro escorregadio”, citou Caroline.

Nicolle Calhau concordou que a maior dificuldade em ilhas é o acesso. Atualmente ela é Agente Censitária Municipal, mas chegou a percorrer diversas praias e locais, que sequer conhecia, como Agente Censitária Supervisora. No acompanhamento da coleta na Ilha da Gipoia, na baía de Ilha Grande, ela conseguiu entrar no grupo de mensagens instantâneas dos moradores, para pegar dados e agendar entrevistas: “Nem sempre é possível encontrar os moradores; como esse acesso é complicado, os que não encontramos em casa, tentamos por telefone”.

Na companhia de um recenseador que conhecia a área, Nicolle rodou a Ilha da Gipoia, com um barqueiro: “Em muitos lugares, tínhamos que percorrer a trilha, entrar no meio da mata, para fazer a coleta do Censo”. Como não havia transporte, quando iam à ilha, aproveitavam para parar em várias praias: “O interessante foi encontrar pelo caminho lugares lindíssimos. Em uma das visitas, encontramos mais de uma vez um pavão”.

‘Morador de uso ocasional’

Durante a estadia da equipe do IBGE na ilha, todos comentavam, pelas ruas de Provetá, que um famoso visitante ocasional estava de volta: o Dim Dim. É outra história conhecida de Ilha Grande: um pinguim que sempre volta para visitar o seu protetor.

Seu João, que mora perto da praia, cuidou de Dim Dim quando o pinguim apareceu, machucado e sujo de óleo, em 2011. Desde então, de tempos em tempos, Dim Dim aparece na casa de João Souza, onde permanece algumas semanas. E a história de amizade ficou tão famosa que vai virar filme!

Há pouco tempo, outro “morador” deu as caras por ali: a presença de uma onça-parda foi registrada, exatamente no Parque Estadual da Ilha Grande, administrado pelo Instituto Estadual do Ambiente.

Isolamento e preservação

Mata Atlântica. Mar. Peixes. Pinguins. Pavões. Tartarugas. Onça-parda. Por muito tempo considerada uma “ilha presídio”, Ilha Grande mantém a beleza e o ecossistema preservados em reservas e áreas de proteção. Já foi reconhecida como Reserva da Biosfera da Mata Atlântica e como Patrimônio Mundial da Humanidade pela Unesco.

A denominação Ilha Grande vem dos primeiros habitantes, os Tamoios, em língua Tupi: Ipaum Guaçu. São mais de 190 km² de Mata Atlântica, cachoeiras e montanhas, com 106 praias, algumas povoadas como Abraão e Provetá, que abrigam as duas maiores vilas da ilha; outras virgens, sem moradores, sem acesso permitido, em áreas preservadas.

No local, existe a Área de Proteção Ambiental dos Tamoios, criada em 1982, para assegurar a proteção do ambiente natural, da biodiversidade e da comunidade caiçara, intitulada com o nome dos índios que habitaram ali um dia. Além disso, há outros locais de conservação: o Parque Estadual da Ilha Grande, a Reserva Biológica Estadual da Praia do Sul e a Reserva do Desenvolvimento Sustentável do Aventureiro.

As ilhas da baía de Ilha Grande também integram a Estação Ecológica de Tamoios, criada em 1990, como instrumento de preservação ambiental e monitoramento da região, em contrapartida legal à existência de usinas nucleares em Angra dos Reis.

Vinculado à Universidade Estadual do Rio de Janeiro, o Centro de Estudos Ambientais e Desenvolvimento Sustentável, órgão criado em 1995, atua na região, com estudos e projetos ambientais. A área pertence à Reserva da Biosfera da Unesco, um santuário ecológico onde a universidade desenvolve projetos de pesquisa.

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