Comunidades indígenas e quilombolas de Caucaia-CE recebem o IBGE para conversar sobre o Censo 2022

Editoria: Censo 2022 | Da Redação

18/03/2022 11h15 | Atualizado em 18/03/2022 13h46

“Eu, com a terra demarcada, derrubaram a minha casa, derrubaram tudo. Ficamos todo mundo no meio da rua”, lembra Cacique Alberto, líder da Aldeia Tapeba do Sobradinho, que alguns anos atrás chegou a ser expulso de sua terra para abertura de uma rodovia. “Agora estamos precisando é de uma ponte, porque não temos ponte lá, pra nossos familiares”, completa. Já na comunidade de Maria Érica Braga Silva, o Quilombo Boqueirãozinho, a demanda é para as crianças: “a gente trabalha muito para conseguir uma educação de qualidade, uma creche em tempo integral, reconhecida como quilombola.”

Repac com comunidades quilombolas de Caucaia-CE.

Reivindicações básicas como estas, por moradia, infraestrutura e educação, além de tantas outras, são comuns a grande parte dos brasileiros. Mas, para algumas comunidades, como as dos povos indígenas e quilombolas, as dificuldades são ainda maiores na hora de pleitear políticas públicas. “Porque nós sentimos muito isso, a invisibilização dos nossos povos, da nossa história, da nossa cultura”, denuncia Paulo França Anacé, liderança do povo indígena Anacé no Lagamar do Cauípe.

Cacique Alberto, Maria Érica e Paulo Anacé são lideranças de povos e comunidades tradicionais em Caucaia, no Ceará. Suas demandas, dúvidas e especificidades foram ouvidas pelo IBGE nas Reuniões de Planejamento e Acompanhamento do Censo Demográfico 2022 (Repacs), realizadas de forma extraordinária com povos e comunidades tradicionais. Isso porque o Censo 2022, embora não promova diretamente as melhorias reivindicadas, produzirá, no entanto, um conjunto de dados imprescindível para a elaboração, requisição e implementação de políticas públicas por todo o país, inclusive nessas comunidades.

Repac com povos indígenas de Caucaia-CE.

Queremos que eles sejam nossos parceiros em todos os sentidos”

Seguindo os protocolos de segurança contra a Covid-19, a equipe do IBGE cumpriu o uso obrigatório de máscaras e álcool em gel durante as reuniões, além de ter realizado testagem prévia no caso do contato com as comunidades indígenas. O primeiro encontro foi realizado com lideranças de povos indígenas, na manhã do dia 23 de fevereiro na Escola Indígena Aldeia Tapeba do Trilho. O segundo ocorreu uma semana depois, na tarde do dia 03 de março, com os representantes das comunidades quilombolas reunidas na creche Nedi Vó Sinhá na comunidade remanescente de Quilombo Boqueirãozinho.

Equipe do IBGE faz testagem prévia para Covid-19 antes do contato com lideranças indígenas.

Nos dois encontros, o Coordenador de Área do Censo em Caucaia, Luciano Vieira, abordou vários tópicos relacionados ao trabalho com as populações tradicionais, tais como: o funcionamento do Censo, os temas dos questionários, as perguntas exclusivas para essas comunidades, a estrutura montada para a coleta, as equipes que estarão atuando, o desenvolvimento da base territorial, além de reforçar a necessidade de alcançar todas as comunidades. Ao final das reuniões, o Coordenador Censitário de Subárea, Daniel Bezerra, coletou os contatos de cada uma das lideranças presentes, a fim de estabelecer uma comunicação mais direta com esses povos. Os encontros também foram encerrados com a exibição de mapas georreferenciados pelo IBGE, nos quais os representantes indígenas e quilombolas puderam localizar suas terras e comunidades.

Cacique Alberto (à frente) e outros líderes indígenas de Caucaia-CE localizam suas aldeias nos mapas georreferenciados pelo IBGE.

O objetivo das reuniões foi justamente fazer essa aproximação com os povos e comunidades tradicionais, estimulando-os a participar de forma ativa e consciente da coleta. Desse modo, o Censo 2022 poderá de fato retratar como vivem essas comunidades. “É interessante observar que os indígenas e quilombolas já estão bem convencidos de que o Censo é importante, e eles se esforçam pra isso. Então a gente consegue firmar esse tom de parceria”, comemora o antropólogo e Analista Censitário de Povos e Comunidades Tradicionais Fábio Jota, que ajudou a responder as muitas dúvidas que foram levantadas nas reuniões.

“Queremos que eles sejam nossos parceiros em todos os sentidos”, destaca Luciano Vieira, que aproveitou os encontros também para solicitar a colaboração das lideranças no processo, seja fornecendo informações para uma abordagem adequada, viabilizando estrutura de apoio e guias locais para acompanharem as equipes, indicando agrupamentos que porventura não tenham sido mapeados, bem como reforçando entre suas comunidades a importância de responder adequadamente o questionário.

Coordenador de Área Luciano Vieira, conduzindo a Repac com lideranças indígenas.

 

Coordenador de Área Luciano Vieira, conduzindo a Repac com lideranças quilombolas.

O Censo multiplica e valoriza as nossas comunidades”

O Censo Demográfico 2022 é inovador em relação à atenção e detalhamento com que os povos e comunidades tradicionais vão ser mapeados. Isso porque o IBGE cruzou dados de diversas fontes para criação de uma base territorial própria, onde estão georreferenciados agrupamentos e territórios quilombolas e indígenas por todo o país. Nessas localidades, perguntas específicas serão abertas automaticamente nos questionários, investigando, a partir da autodeclaração, outros aspectos sobre a realidade desses povos e comunidades. No caso dos indígenas, as perguntas específicas serão também acionadas sempre que alguém se autodeclarar como indígena, independentemente de onde resida. Para além de realizar uma contagem mais exata, estas mudanças visam a obter subsídios para uma descrição mais precisa de como vivem esses grupos.

Esse passo que o Censo 2022 está dando foi avaliado positivamente pelas lideranças de Caucaia. “É um avanço essa proximidade que hoje o IBGE, mediante os coordenadores, está tendo em relação aos povos tradicionais”, destaca Isabel Cristina Silva de Sousa, conhecida como Cristina Quilombola, uma das representantes da Coordenação Nacional de Articulação de Quilombos (Conaq) no estado do Ceará e presidente na comunidade quilombola Caetanos em Capuan. “O Censo multiplica e valoriza as nossas comunidades”, ressalta a líder quilombola, que vê no trabalho do IBGE uma oportunidade para ampliar o mapeamento que o movimento já tem realizado.

Cristina Quilombola (de vermelho, ao centro), da Comunidade Caetanos do Capuan, abordou o avanço que o Censo representa no mapeamento das comunidades quilombolas.

“Eu acredito que esse formulário específico pra povos originários no país ajuda muito a gente a mapear as nossas comunidades”, observa também Ricardo Weibe Nascimento Costa, conhecido como Weibe Tapeba, liderança indígena da aldeia Lagoa dos Tapeba, além de advogado do Escritório de Advocacia Popular Indígena, coordenador da Federação dos Povos e Organizações Indígenas do Ceará (Fepoince), e também vereador do município de Caucaia. “O nosso esforço vai ser pra que, nesse ano de 2022, a gente assegure a proximidade com o dado mais fiel possível. Nosso país é um país pluriétnico e plurilinguístico, e esses dados precisam vir à tona para que a gente possa pleitear o espaço na sociedade nacional”, completa.

Weibe Tapeba (em pé, ao microfone), da aldeia Lagoa dos Tapeba, destacou a importância dos dados do Censo para pleitear políticas públicas.

Que as políticas públicas alcancem o chão das aldeias”

Os povos indígenas de Caucaia que participaram da Repac extraordinária avaliaram que as informações coletadas neste Censo podem contribuir de várias formas para fortalecer suas reivindicações. Para Paulo Anacé, o Censo representa visibilidade: “Nós, os Anacés do Cauípe, vivemos dentro de um complexo industrial. Mostrar que a gente mora e existe ali é mostrar que todo aquele progresso está desrespeitando nossa existência. [O Censo] é bom pra que eles vejam que esse método de desenvolvimento está totalmente fora da nossa história de preservação.” Já para o Cacique Alberto, o Censo pode trazer mais segurança para seu povo: “Eu acho importante, porque, na minha idade, 73 anos, toda vida nós fomos discriminados. Pode ser que agora a gente tenha o máximo respeito dentro das nossas reservas indígenas.” O vereador Weibe Tapeba destaca também que “o Censo é o principal instrumento de planejamento, de acesso a políticas públicas”. Para ele, “qualificar quem são os povos indígenas é fundamental pra que as políticas alcancem o chão das aldeias.”

Mais registros da Repac com povos indígenas de Caucaia-CE.

Na reunião com os grupos quilombolas do município, as lideranças também apontaram que, uma vez que tiverem acesso aos dados do Censo, poderão utilizá-los para o desenvolvimento das suas comunidades. Maria Érica considera esta uma oportunidade de conhecimento: “O Censo é muito importante, porque ele vai fazer todo um mapeamento, um estudo de todas as regiões. Isso pra gente vai ajudar muito.” Cristina Quilombola, por sua vez, menciona diversas pautas do movimento que podem ser intensificadas após o Censo 2022: “o fortalecimento do território quilombola, a construção da luta pela educação, o reconhecimento da Lei 10.639, [da obrigatoriedade do ensino de história e cultura afro-brasileira nos ensinos fundamental e médio,] a territorialidade, o meio ambiente, que a gente já trabalha em nossos territórios. O censo vai fortalecer mais ainda a garantia dos nossos direitos sociais e várias outras lutas.”

 

Mais registros da Repac com comunidades quilombolas de Caucaia-CE.

“As reuniões são muito positivas”, avaliou o antropólogo Fábio Jota ao final dos encontros em Caucaia. “Elas conseguem demonstrar a vontade do IBGE de que esse trabalho seja bem feito e tenha o melhor resultado possível. E também mostram que existe uma mobilização muito grande das organizações e das lideranças indígenas e quilombolas pra que essa coleta aconteça.” Após a primeira rodada bem-sucedida de Repacs com os povos e comunidades tradicionais, a proposta é, nos próximos meses, realizar essas reuniões também em outras regiões cearenses onde existam povos e comunidades indígenas e quilombolas, garantindo que todos sejam alcançados pelo Censo 2022.

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